ardes-me

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25/04/10

Vieste como um barco

Vieste como um barco carregado de vento, abrindo feridas de espuma pelas ondas. Chegaste tão depressa que nem pude aguardar-te ou prevenir-me; e só ficaste o tempo de iludires a arquitectura fria do estaleiro onde hoje me sentei a perguntar como foi que partiste, se partiste,que dentro de mim se acanham as certezas e tu vais sempre ardendo, embora como um lume de cera, lento e brando, que já não derrama calor.

Tenho os olhos azuis de tanto os ter lançado ao mar o dia inteiro, como os pescadores fazem com as redes; e não existe no mundo cegueira pior do que a minha: o fio do horizonte começou ainda agora a oscilar, exausto de me ver entre as mulheres que se passeiam no cais como se transportassem no corpo o vaivém dos barcos. Dizem-me os seus passos que vale a pena esperar, porque as ondas acabam sempre por quebrar-se junto das margens. Mas eu sei que o meu mar está cercado de litorais, que é tarde para quase tudo.

Por isso, vou para casa e aguardo os sonhos, pontuais como a noite.





Maria do Rosário Pedreira

"...partiste, nem sei bem quando, nem porquê. Apenas os meus olhos sentiram a tua falta, daquela vez que desviaste o teu olhar do meu e o meu corpo tremeu, com a sensação de abandono. De tanto te querer convenci-me a mim mesma que não havia mal em correr riscos, em perder o medo e permitir-me ser feliz.E eu fui, durante o tempo em que atracaste o teu barco ao meu cais e permaneceste em terra firme comigo.E agora eu espero que a maré te devolva aos meus braços, meu amor."

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